Sobre o livro Meditações de Descartes. Alguem sabeiria responder?

Comoa descartes explica algumas facudades, como as de mudar de lugar, de se colocar em varias posturas,e ooutras semelhantes, que não podem ser consebidas, não mais que as precedentes, sem alguma substancia a que estejam ligadas, nem, por conseguinte, existir sem elas?

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  • Propriamente ditaEm 1641, aparecem as Meditações Metafísicas e para bem compreender

    a metafísica cartesiana é necessário ler as Meditações.

    1.° - Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário espiritual com a

    dúvida. Mas é necessário compreender que essa dúvida tem um outro

    alcance que a dúvida metódica do cientista. Descartes duvida voluntária e sistematicamente de tudo, desde que possa encontrar um argumento, por

    mais frágil que seja. Por conseguinte, os instrumentos da dúvida nada mais são do que os auxiliares psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de um verdadeiro "exército espiritual". Duvidemos dos sentidos, uma vez que

    eles freqüentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza de estar sonhando ou de estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o "robe de chambre", ocupado em escrever algo junto à lareira; na verdade, "estava despido em meu leito").

    Duvidemos também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas!

    Mas quê? Não é verdade - quer eu sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se um

    gênio maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me iludisse quanto às minhas evidências matemáticas e físicas? Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso duvidar do objeto

    (permitam-me retomar os termos do mais lúcido intérprete de Descartes, Ferdinand Alquié).

    2. ° - Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demônio queira

    sempre me enganar. Mesmo que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que

    eu penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso, cogito, logo existo, ergo sum". Não é um raciocínio (apesar do logo, do

    ergo), mas uma intuição, e mais sólida que a do matemático, pois é uma intuição metafísica, metamatemática. Ela trata não de um objeto, mas de um ser. Eu penso, Ego cogito (e o ego,

    sem aborrecer Brunschvicg, é muito mais que um simples acidente gramatical do verbo cogitare).

    O cogito de Descartes, portanto, não é, como já se disse, o ato de nascimento do que,

    em filosofia, chamamos de idealismo (o sujeito pensante e suas idéias como o fundamento

    de todo conhecimento), mas a descoberta do domínio ontológico (estes objetos que são as

    evidências matemáticas remetem a este ser que é meu pensamento).

    3. ° - Nesse nível, entretanto, nesse momento de seu itinerário espiritual, Descartes é solipsista.

    Ele só tem certeza de seu ser, isto é, de seu ser pensante (pois, sempre duvido desse

    objeto que é meu corpo; a alma, diz Descartes nesse sentido, "é mais fácil de ser

    conhecida que o corpo").

    É pelo aprofundamento de sua solidão que Descartes escapará dessa solidão.

    Dentre as idéias do meu cogito existe uma inteiramente extraordinária.

    É a idéia de perfeição, de infinito. Não posso tê-la tirado de mim mesmo, visto que

    sou finito e imperfeito. Eu, tão imperfeito, que tenho a idéia de Perfeição, só posso tê-la

    recebido de um Ser perfeito que me ultrapassa e que é o autor do meu ser. Por conseguinte,

    eis demonstrada a existência de Deus. E nota-se que se trata de um Deus perfeito,

    que, por conseguinte, é todo bondade.

    Eis o fantasma do gênio maligno exorcizado. Se Deus é perfeito, ele não pode ter

    querido enganar-me e todas as minhas idéias claras e distintas são garantidas pela

    veracidade divina.

    Uma vez que Deus existe, eu então posso crer na existência do mundo. O caminho

    é exatamente o inverso do seguido por São Tomás. Compreenda-se que, para tanto, não

    tenho o direito de guiar-me pelos sentidos (cujas mensagens permanecem confusas e que

    só têm um valor de sinal para os instintos do ser vivo). Só posso crer no que me é claro e

    distinto (por exemplo: na matéria, o que existe verdadeiramente é o que é claramente

    pensável, isto é, a extensão e o movimento). Alguns acham que Descartes fazia um circulo

    vicioso: a evidência me conduz a Deus e Deus me garante a evidência! Mas não se trata

    da mesma evidência. A evidência ontológica que, pelo cogito, me conduz a Deus fundamenta

    a evidência dos objetos matemáticos. Por conseguinte, a metafísica tem, para Descartes,

    uma evidência mais profunda que a ciência. É ela que fundamenta a ciência (um ateu,

    dirá Descartes, não pode ser geômetra!).

    4. ° - A Quinta meditação apresenta uma outra maneira de provar a existência de Deus.

    Não mais se trata de partir de mim, que tenho a idéia de Deus, mas antes da idéia de

    Deus que há em mim. Apreender a idéia de perfeição e afirmar a existência do ser perfeito

    é a mesma coisa. Pois uma perfeição não-existente não seria uma perfeição. É o argumento ontológico, o argumento de Santo Anselmo que Descartes (que não leu Santo Anselmo)

    reencontra: trata-se, ainda aqui, mais de uma intuição, de uma experiência espiritual (a de

    um infinito que me ultrapassa) do que de um raciocínio.

  • René Descartes

    A Dúvida, Exercício Espiritual

    1. Meditação - Descartes resolve duvidar de todas as suas opiniões:

    Mas não basta ter feito essas observações, é preciso ainda que eu cuide de não me esquecer delas; pois essas antigas e comuns opiniões freqüentemente revivem em meu pensamento, a longa e familiar convivência que tiveram comigo, o que lhes dá o direito de ocupar o meu espírito sem que eu o queira e de quase se tornarem senhoras de minha crença. E nunca me desacostumarei a essa aquiescência e a confiar nelas, enquanto eu as considerar tais como efetivamente são, isto é, de certo modo duvidosas, como acabei de provar, e, no entanto, muito prováveis, de maneira que se tenha mais razão em acreditar nelas do que em negá-las. Eis por que penso que as utilizarei mais prudentemente se, tomando um partido contrário, empregar todos os esforços no sentido de enganar-me a mim mesmo, fingindo que todos esses pensamentos são falsos e imaginários; até que, tendo de tal modo avaliado meus preconceitos, eles não possam fazer com que minha opinião tenda mais para um lado do que para outro, e meu julgamento não mais seja, daqui por diante, dominado por maus usos e afastado do caminho reto que o pode conduzir ao conhecimento da verdade. Pois estou certo de que, no entanto, não pode haver perigo nem erro nesse caminho e de que eu hoje não poderia conceder muito à minha desconfiança, uma vez que, no momento, não se trata d agir, mas somente de meditar e de conhecer.

    Suporei, então, que há, não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda sua indústria em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons, e todas as coisas exteriores que vemos não passam de ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo como não tendo mãos, nem olhos, nem carne, nem sangue, como não tendo nenhum dos sentidos, mas acreditando falsamente possuir todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e, se por esse medo, não estiver em meu poder atingir o conhecimento, de nenhuma verdade, pelo menos estará em meu poder fazer a suspensão de meu juízo. Eis por que cuidarei zelosamente de não receber em minha crença nenhuma falsidade, e prepararei tão bem meu espírito em face de todos os ardis desse grande enganador que, por mais poderoso e astucioso que seja, nunca poderá impor-me coisa alguma.

    Mas esse desígnio é árduo e trabalhoso, e certa preguiça arrasta-me insensivelmente para o ritmo de minha vida comum. E, exatamente como o escravo que se comprazia no sonho de uma liberdade imaginaria e que, quando começa a suspeitar que essa liberdade é apenas um sonho, teme ser despertado e conspira com essas agradáveis ilusões para ser mais longamente enganado, assim eu, por mim mesmo, retorno invisivelmente às minhas antigas opiniões e receio despertar dessa sonolência, temendo que as vigílias laboriosas que se sucederiam à tranqüilidade de tal repouso, ao invés de propiciarem alguma luz ou alguma clareza no conhecimento da verdade, não fossem suficientes para aclarar as trevas das dificuldades que acabam de ser tratadas.

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