Um brinde aos paulistanos Mario de Andrade 1922 "Pauliceia desvairada"?

Os caminhões rodando, as carroças rodando,

rápidas as ruas se desenrolando,

rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos...

E o largo coro de ouro das sacas de café!... (...)

Oh! este orgulho máximo de ser paulistanamente!!!

As contradições de Mário de Andrade acabam por constituir uma notável multiplicação de olhares e de perspectivas a respeito de São Paulo. A fascinação e o horror do moderno confundem-se, produzindo esta variedade de enfoques sobre a cidade. Nenhuma destas visões é a definitiva, não há uma conclusão, não temos a última palavra do poeta, aquela que consagraria ou impugnaria a modernidade paulistana. Tudo é ambivalente e movediço. E é exatamente por causa desta indefinição entre o amor e a repulsa, entre a ironia e a percepção do novo que alguns poemas de Paulicéia desvairada traduzem – paradoxalmente – a essência calidoscópica, complexa e cheia de metamorfoses da mais importante metrópole do país, “galicismo a berrar nos desertos da América”!

Um dos exemplos de melhor realização da obra é Paisagem n.2

Escuridão dum meio-dia de invernia...

Marasmos... Estremeções... Brancos...

O céu é toda uma batalha convencional de confetti brancos;

e as onças pardas das montanhas no longe...

Oh! para além vivem as primaveras eternas!

As casas adormecidas

parecem teatrais gestos dum explorador do polo

que o gelo parou no frio.

Lá para as bandas do Ipiranga as oficinas tossem...

Todos os estiolados são muito brancos.

Os invernos de Paulicea são como enterros de virgem...

Italianinha, torna al tuo paese! (...)

Deus recortou a alma de Paulicéia

num cor de cinza sem odor...

Oh! Para além vivem as primaveras eternas!...

Mas os homens passam sonambulando...

E rodando num bando nefário,

vestidas de eletricidade e gasolina,

as doenças jocotam em redor... (...)

São Paulo é um palco de bailados russos.

Sarabandam a tísica, a ambição, as invejas, os crimes

e também as apoteoses de ilusão...

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