O Grande Dia e a Contagem Regressiva?

Imagine o seguinte cenário: alguém lhe diz que existe uma contagem regressiva para um genocídio, um extermínio de todo ser que não se enquadra em um perfil pré-definido. Homens, mulheres, crianças, velhos, animais, tudo que respira será aniquilado.

O contador é invisível, então não há como saber quanto falta para esse grande dia. Tudo que construímos, todas as pessoas que amamos, tudo será condenado à destruição (ou tormento eterno, o que no fim dá no mesmo).

Imagine também que te dizem que existe uma chance de escaparmos da destruição. Um Livro que nos diz o que devemos fazer para nos enquadrarmos no perfil dos que serão salvos no Grande Dia. Que bom, você pensaria. Existe uma chance!

Pessoas sorridentes te falam desse Livro. O ser que idealizou o Grande Dia, e que apertou o botão da contagem regressiva ditou as palavras do Livro. Um ser perfeito, que tudo vê e que tudo pode pensou em você, e criou regras para que você não precise ser aniquilado da face do planeta.

Então você começa a leitura do Livro.

Em determinado momento você se depara com textos que se contradizem. Você fica confuso. Ao expor as contradições, você é refutado com a seguinte frase:

“Você não pode ler um trecho isolado. Precisa ler o capítulo todo. O livro todo. Examinar o contexto.”

Você termina a leitura do Livro e tudo que encontra são relatos de guerras sangrentas, incesto, volência sexual, pornografia, escravidão…

Você olha ao seu redor e percebe que existem pessoas assustadas, cada uma tentando interpretar o Livro à sua maneira. Como um borrão de tinta em um papel, tentam dar sentido ao Livro. É desesperador, já que ali estão as regras para escapar da morte, mas não é possível entendê-las. Trechos que deveriam testemunhar os mesmos acontecimentos se contradizem. Costumes que nossa sociedade abandonou há tempos por serem bárbaros e cruéis aparecem com naturalidade durante todo o Livro. O arquiteto do Grande Dia é capaz de torturar seu próprio filho. Não podia simplesmente perdoar? Tinha que ridicularizar o filho? Submetê-lo à morte dolorosa? Novamente te explicam:

“O filho morreu para que o pai nos perdoasse!”

Então o cronômetro parou? Não, dizem eles! O pai torturou o filho, o largou abandonado pra morrer, e ao se submeter à essa tortura, o filho pagou nosso saldo devedor, mas continuamos devendo. Temos que nos enquadrar, antes que a contagem termine.

Você então compreende que se for verdade tudo que lhe disseram, se existe mesmo uma contagem regressiva para o Grande Dia, tudo está perdido. Como em um sonho ruim, a loucura de Hitler ganha proporções épicas. A eugenia, a perversão da seleção natural de Darwin, adquire corpo na figura do arquiteto do Grande Dia. Uma seleção baseada em conceitos abstratos como a fé. Serás julgado por um juiz que defende a escravidão, rebaixa as mulheres à condição de bens dos homens, se ira com facilidade e se arrepende o tempo todo dos compromissos que assumiu.

É este juiz que irá julgar o mundo, e condená-lo. Alguém que escreve uma quantidade absurda de páginas para não dizer nada. Que possui atributos morais questionáveis. Que entra em contradição o tempo todo. Que vive se arrependendo do que faz. E punindo quem ousa contestar sua palavra.

A contagem continua. Quanto tempo faltará?

Como você se sente sabendo que será condenado se não tiver o perfil dos escolhidos? O que você acha das muitas interpretações diferentes para um livro que deveria ser simples e claro, um Livro que não pode ser mal-compreendido, porque da sua perfeita compreensão depende toda a vida na Terra?

Pela importância que os fiéis do Livro dão às contradições que ele possui, você conclui que nem mesmo eles acreditam no que está escrito. Ou concordam que quando o Grande Dia chegar, todos serão aniquilados, não importa de que lado estejam.

Porque o que interessa ao arquiteto do Grande Dia não é reparar seu erro, mas eliminar as provas.

Existe uma ironia ao longo do texto, mas deixo pra vocês descobrirem.

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