A neve - Poesia do português Augusto Gil (1873-1929)?

A NEVE

Batem leve, levemente,

como quem chama por mim...

Será chuva? Será gente?

Gente não é, certamente

e a chuva não bate assim...

É talvez a ventania;

mas há pouco, há poucochinho,

nem uma agulha bulia

na quieta melancolia

dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,

com tão estranha leveza,

que mal se ouve, mal se sente?

Não é chuva, nem é gente,

nem é vento, com certeza.

Fui ver. A neve caía

do azul cinzento do céu,

branca e leve, branca e fria...

Há quanto tempo a não via!

E que saudade, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.

Pôs tudo da cor do linho.

Passa gente e, quando passa,

os passos imprime e traça

na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais

da pobre gente que avança,

e noto, por entre os mais,

os traços miniaturais

de uns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...

a neve deixa inda vê-los,

primeiro, bem definidos,

- depois em sulcos compridos,

porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador

sofra tormentos... enfim!

Mas as crianças, Senhor,

porque lhes dais tanta dor?!...

Porque padecem assim?!

E uma infinita tristeza,

uma funda turbação

entra em mim, fica em mim presa.

Cai neve na natureza...

– e cai no meu coração.

Augusto Gil - Luar de Janeiro, 1909

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Augusto César Ferreira Gil (1873-1929) nasceu em Lordelo do Ouro, Porto, e faleceu em Lisboa (b).

Estudou inicialmente na Guarda, donde os pais eram oriundos, e formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Começou a exercer advocacia em Lisboa, tornando-se mais tarde director-geral das Belas-Artes.

Na sua poesia notam-se influências do Parnasianismo e do Simbolismo. Influenciado pelo lirismo de António Nobre, a sua poesia insere-se numa perspectiva neo-romântica nacionalista.

Obras poéticas: Musa Cérula (1894), Versos (1898), Luar de Janeiro (1909), O Canto da Cigarra (1910), Sombra de Fumo (1915), Alba Plena (1916), O Craveiro da Janela (1920), Avena Rústica (1927) e Rosas desta Manhã (1930). Crónicas: Gente de Palmo e Meio (1913).

Projecto Vercial

(a maior base de dados sobre literatura portuguesa)

http://alfarrabio.di.uminho.pt/

Update:

Alguém poderia seguramente dizer se o nome desta poesia é " a neve" ou " A balada da neve" ?.

Agradeço.

Comments

  • Cai neve na natureza...

    – e cai no meu coração

    Poesia linda, sofrida, enternecida, de fantástica sensibilidade, bem ao jeito do poetar português,

    que arranca lágrimas de quem o lê, quando clama aos céus e pergunta _Por Que?!

    Quanto à pergunta que o poeta deixa no ar, todos a fazemos, com uma certa insistência.

    Com a leitura de Augusto Gil mais frequente, entende-se que Deus tem sempre uma razão para tudo, mesmo que não a possamos entender, e que a vontade de Deus é sempre boa, perfeita e agradável.

    Há um poema do mesmo autor, fantástico que passo agora para você:

    Oh meu Jesus adorado

    Fecha os teus olhos divinos

    Num soninho descansado;

    Que a não sermos tu e eu

    Todo a gente do povoado,

    Desde os velhos aos meninos,

    Há muito que adormeceu.

    Dorme, dorme, dorme agora

    (Cantava a Virgem Maria)

    Que mal assomou a aurora,

    Sentei-me junto ao tear

    E por todo o dia fora,

    Até que já se não via,

    Não deixei de trabalhar!

    E o Menino Jesus não se dormia

    E o menino Jesus não se dormia ...

    Tornava Nossa Senhora,

    Numa voz mais consumida:

    Dorme, dorme, dorme agora

    E que eu descance também,

    Porque mesmo adormecida

    Vela sempre, a toda a hora,

    No meu peito, o amor de mãe.

    E o Menino Jesus não se dormia.

    Numa voz mais fatigada,

    Tornava a Virgem Maria:

    Dorme pombinha nevada,

    Dorme, dorme, dorme bem ...

    Vê que está quase apagada

    A frouxa luz da bugia,

    Do pouco azeite que tem.

    E o Menino Jesus não se dormia.

    Rogava Nossa Senhora:

    Modera a tua alegria ...

    Não deites a roupa fora

    Do teu leito pequenino ...

    Não rias mais. Dorme agora

    E brincarás todo o dia ...

    Dorme, dorme, meu menino.

    E o Menino Jesus não se dormia.

    Mais triste, mais abatida,

    Pedia a Virgem Maria:

    Tem pena da minha vida,

    Que se a quero é para ti...

    Vida aflita e dolorida!

    Só por ti a viveria

    Tão longe de onde nasci!...

    E o Menino Jesus não se dormia.

    E a voz da Virgem volveu:

    Repara no meu olhar,

    Vê como ele entristeceu...

    Dorme, dorme, dorme bem,

    Oh alvo lírio do céu!

    Olha que estou a chorar,

    — Tem pena da tua mãe!

    Nosso Senhor, então, adormeceu ..

    Sentiu a beleza desta balada?

    Eu acho maravilhosa!

    Carinho meu e muita...

    LUZ!

  • O link abaixo traz o texto em pdf, mostrando o título "Ballada da neve" (inserido em "Luar de janeiro") e a quem foi dedicado ...

    http://mybebook.com/download_free_ebook/gil-august...

    Boa sorte !

  • Belíssimo poema! Muito lindo mesmo! Bjus, amigo! =)

  • LINDOOOOOOOOOOOO

  • Lindo amigo . Beijos , com carinho , Cláudia cristal

  • muito bonito.

  • agora ja sabes porque eu o amo meu amigo?

    voce é pura informação !

    que lindo ! muito obrigado.

    deveria haver algo assim informatico diariamente.

    um beijo

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