Nessa interminável leva de cinema "favela" brasileiro, Bruno Barreto estreia nas telas a história que chocou todo o Brasil em 12 de junho de 2000 - a história de Sandro do Nascimento, que tomou reféns dentro de um ônibus da linha Central - Gávea, Rio de Janeiro.
Comparações são inevitáveis ao ótimo Linha de Passe, de Walter Salles. Comparações (estas por se tratarem de filmes com o mesmo teor narrativo) sobre histórias de uma classe marginalizada e suas lutas contra a estagnação social em que vivem, a ausência dos pais e caminhos errados ao longo da vida.
Diferente do genioso filme de Salles, comentado na outra crítica, Última Parada (representante Brasileiro em disputa numa vaga do Oscar 2009) é um filme de muitos erros, erros talvez cometidos por uma fraca direção de Barreto.
Todos os elementos necessários para a construção do personagem estão lá - Sobrevivente da Chacina da Candelária, o menino de rua, ajudado em tentativa falha de ONGs, que cresce marginalizado sem a esperança de um breve sonho, este que é logo destruído pelo analfabetismo e consumo de drogas.
Um arco narrativo brilhantemente construído, através de encontros e desencontros dos personagens tecido em meio ao cenário urbano do Rio. O roteiro fica a cargo do brilhante Bráulio Mantovani, que já tem em sua bagagem Cidade de Deus. Mantovani dá ao filme o tom coloquial e natural.
As interpretações medianas em certas cenas deixam a desejar. Por ser um filme que se apóia na dramaticidade de seus personagens, as cenas perdem o realismo cru necessário nesse tipo de filme "favela", tornando-os meras caricaturas - o pastor, o marginal, a ex-viciada que encontra em Jesus a salvação, etc.
O longa não se define na abordagem dramática que quer transmitir ao espectador, às vezes a tentativa de dar um tom mais realista possível é vista, mas também pode ser notado um melodrama e um humor desnecessário em certas cenas que por fim destoa de todo o contexto.
A forte crítica social pode ser ouvida no filme. Todas ações que culminam no trágico incidente de "cotidiano" de um rapaz que só queria ser ouvido e que através do ônibus 174, ele se tornou, talvez, a maior vítima do falho sistema em que vivemos - um sistema onde a marginalização, a violência, uma polícia corrupta e a pobreza são vistos como trivialidades de um caótico cotidiano.
Em suma, o errôneo filme de Barreto, tem todos os elementos necessários para ser um grande filme, mas infelizmente isso não ocorre. O que mais o prejudica é o superior, em todos os sentidos, filme de Walter Salles, este sim que deveria representar com louvor a corrida pelo Oscar.
POSITIVA
O roteirista de Cidade de Deus e Tropa de Elite é hoje, sem dúvida, um dos profissionais mais importantes do cinema brasileiro, não só pela qualidade do seu trabalho, mas por sua personalidade e postura perante à indústria cinematográfica. E, felizmente, meu fio de esperança prevaleceu.
Última Parada 174 é um bom filme, não há como negar. Não chega a ser um soco no estômago tão forte quanto Tropa de Elite, nem tão inovador quanto Cidade de Deus. Mas é bom o suficiente para entrar em qualquer lista das melhores produções nacionais de 2008. Seu maior triunfo é um roteiro linear, bastante criativo e repleto de bons pontos de virada, capazes de tornar verossímeis uma história que, nas mãos de profissionais menos experientes, poderia soar falsa ou forçada.
Baseado na história real do sequestro do ônibus 174, acontecido em 2000 no Rio de Janeiro, o longa vai às origens de Sandro, apresentando sua infância conturbada e marcada pela violência. Em paralelo outro jovem, em situação semelhante sofre as consequências do envolvimento de sua mãe com o tráfico de drogas e cresce rodeado de violência.
Longe de querer justificar os atos finais do sequestrador ou mesmo torná-lo herói ou motivo de pena, Última Parada 174 apresenta sua história, sem deixar de responsabilizar a sociedade, a polícia e o próprio jovem por suas escolhas. Sando é tanto vítima quanto bandido no roteiro. Não há preocupação em julgar se o seu caminho foi certo ou errado ou se ele é fruto de todo um sistema cheio de falhas. Embora elas estejam visíveis e sejam gritantes, não são - e nem deveriam ser - as únicas responsáveis por atos e consequências individuais.
Alguns elementos enriquecem a história (fique atento à simbologia do copo que se quebra), como a vida da mãe de Sandro e o seu relacionamento com o pastor Jaziel (uma fina crítica à evangelização) e a transformação de Sandro, de menino tímido e ingênuo, ao bandido cruel e impiedoso.
A escolha final em mesclar cenas originais captadas pelas emissoras de TV à época do sequestro e mesclá-las com cenas adicionais é outra decisão acertada e que faz com que todas as dúvidas que pudesem pairar sobre a cabeça do espectador ao longo do filme sejam desfeitas, já que o aspecto documental da produção valoriza o bom argumento de Bráulio Mantovani.
Bruno Barreto traz outros bons trabalhos em seu currículo. Desde Dona Flor e Seus Dois Maridos (maior bilheteria da história do cinema nacional), passando pelo indicado ao Oscar O Que É Isso, Companheiro? até o agradável Bossa Nova. Mas Última Parada 174 apaga a má impressão deixada por produções ruins como Voando Alto ou O Casamento de Romeu e Julieta.
Chances nos Oscar? Difícil prever já que os demais candidatos ainda são praticamente desconhecidos no Brasil. Mas Barreto é um nome forte nos bastidores de Hollywood, o que de alguma forma pesa a seu favor. Mas não seria injustiça nenhuma se o filme figurasse na lista final. Ganhar aí já são outros quinhentos.
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NEGATIVA:
Nessa interminável leva de cinema "favela" brasileiro, Bruno Barreto estreia nas telas a história que chocou todo o Brasil em 12 de junho de 2000 - a história de Sandro do Nascimento, que tomou reféns dentro de um ônibus da linha Central - Gávea, Rio de Janeiro.
Comparações são inevitáveis ao ótimo Linha de Passe, de Walter Salles. Comparações (estas por se tratarem de filmes com o mesmo teor narrativo) sobre histórias de uma classe marginalizada e suas lutas contra a estagnação social em que vivem, a ausência dos pais e caminhos errados ao longo da vida.
Diferente do genioso filme de Salles, comentado na outra crítica, Última Parada (representante Brasileiro em disputa numa vaga do Oscar 2009) é um filme de muitos erros, erros talvez cometidos por uma fraca direção de Barreto.
Todos os elementos necessários para a construção do personagem estão lá - Sobrevivente da Chacina da Candelária, o menino de rua, ajudado em tentativa falha de ONGs, que cresce marginalizado sem a esperança de um breve sonho, este que é logo destruído pelo analfabetismo e consumo de drogas.
Um arco narrativo brilhantemente construído, através de encontros e desencontros dos personagens tecido em meio ao cenário urbano do Rio. O roteiro fica a cargo do brilhante Bráulio Mantovani, que já tem em sua bagagem Cidade de Deus. Mantovani dá ao filme o tom coloquial e natural.
As interpretações medianas em certas cenas deixam a desejar. Por ser um filme que se apóia na dramaticidade de seus personagens, as cenas perdem o realismo cru necessário nesse tipo de filme "favela", tornando-os meras caricaturas - o pastor, o marginal, a ex-viciada que encontra em Jesus a salvação, etc.
O longa não se define na abordagem dramática que quer transmitir ao espectador, às vezes a tentativa de dar um tom mais realista possível é vista, mas também pode ser notado um melodrama e um humor desnecessário em certas cenas que por fim destoa de todo o contexto.
A forte crítica social pode ser ouvida no filme. Todas ações que culminam no trágico incidente de "cotidiano" de um rapaz que só queria ser ouvido e que através do ônibus 174, ele se tornou, talvez, a maior vítima do falho sistema em que vivemos - um sistema onde a marginalização, a violência, uma polícia corrupta e a pobreza são vistos como trivialidades de um caótico cotidiano.
Em suma, o errôneo filme de Barreto, tem todos os elementos necessários para ser um grande filme, mas infelizmente isso não ocorre. O que mais o prejudica é o superior, em todos os sentidos, filme de Walter Salles, este sim que deveria representar com louvor a corrida pelo Oscar.
POSITIVA
O roteirista de Cidade de Deus e Tropa de Elite é hoje, sem dúvida, um dos profissionais mais importantes do cinema brasileiro, não só pela qualidade do seu trabalho, mas por sua personalidade e postura perante à indústria cinematográfica. E, felizmente, meu fio de esperança prevaleceu.
Última Parada 174 é um bom filme, não há como negar. Não chega a ser um soco no estômago tão forte quanto Tropa de Elite, nem tão inovador quanto Cidade de Deus. Mas é bom o suficiente para entrar em qualquer lista das melhores produções nacionais de 2008. Seu maior triunfo é um roteiro linear, bastante criativo e repleto de bons pontos de virada, capazes de tornar verossímeis uma história que, nas mãos de profissionais menos experientes, poderia soar falsa ou forçada.
Baseado na história real do sequestro do ônibus 174, acontecido em 2000 no Rio de Janeiro, o longa vai às origens de Sandro, apresentando sua infância conturbada e marcada pela violência. Em paralelo outro jovem, em situação semelhante sofre as consequências do envolvimento de sua mãe com o tráfico de drogas e cresce rodeado de violência.
Longe de querer justificar os atos finais do sequestrador ou mesmo torná-lo herói ou motivo de pena, Última Parada 174 apresenta sua história, sem deixar de responsabilizar a sociedade, a polícia e o próprio jovem por suas escolhas. Sando é tanto vítima quanto bandido no roteiro. Não há preocupação em julgar se o seu caminho foi certo ou errado ou se ele é fruto de todo um sistema cheio de falhas. Embora elas estejam visíveis e sejam gritantes, não são - e nem deveriam ser - as únicas responsáveis por atos e consequências individuais.
Alguns elementos enriquecem a história (fique atento à simbologia do copo que se quebra), como a vida da mãe de Sandro e o seu relacionamento com o pastor Jaziel (uma fina crítica à evangelização) e a transformação de Sandro, de menino tímido e ingênuo, ao bandido cruel e impiedoso.
A escolha final em mesclar cenas originais captadas pelas emissoras de TV à época do sequestro e mesclá-las com cenas adicionais é outra decisão acertada e que faz com que todas as dúvidas que pudesem pairar sobre a cabeça do espectador ao longo do filme sejam desfeitas, já que o aspecto documental da produção valoriza o bom argumento de Bráulio Mantovani.
Bruno Barreto traz outros bons trabalhos em seu currículo. Desde Dona Flor e Seus Dois Maridos (maior bilheteria da história do cinema nacional), passando pelo indicado ao Oscar O Que É Isso, Companheiro? até o agradável Bossa Nova. Mas Última Parada 174 apaga a má impressão deixada por produções ruins como Voando Alto ou O Casamento de Romeu e Julieta.
Chances nos Oscar? Difícil prever já que os demais candidatos ainda são praticamente desconhecidos no Brasil. Mas Barreto é um nome forte nos bastidores de Hollywood, o que de alguma forma pesa a seu favor. Mas não seria injustiça nenhuma se o filme figurasse na lista final. Ganhar aí já são outros quinhentos.